Conseguirá a tabela de recordes mundiais resistir ao próximo fim-de-semana?

Florence Griffith-Joyner nos JO Seoul 1988 (foto arquivo)


«Será este o último fim-de-semana em que FloJo será recordista mundial?». Com esta questão, Rich Perelman, editor do Sports Examiner, coloca na primeira linha a questão dos recordes mundiais colocados em causa pelos múltiplos casos de doping.
É que este fim-de-semana, no Mónaco, a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF, na sigla internacional), organiza a sua gala anual onde se distinguirão os melhores atletas e as melhores marcas de 2017 e nos dias subsequentes terá lugar o Conselho da IAAF que poderá decidir por retirar uma dúzia de recordes mundiais das tabelas oficiais, incluindo precisamente os recordes mundiais de velocidade obtidos por Florence Griffith-Joyner nos Jogos Olímpicos de Seoul 1988.
Recordamos que a Associação Europeia propôs uma revolução na tabela dos recordes antes do verão passado, propondo eliminar todos os recordes anteriores a 2005, ano a partir do qual é possível voltar a testar as amostras das análises feitas aos atletas.
Por todo o Mundo, as críticas à proposta foram ouvidas, mas é um item que agrada bastante ao presidente da IAAF, Sebastian Coe, que admitiu «agradar-lhe a ideia porque sublinha o facto de termos conseguido colocar os sistemas e tecnologia de combate ao doping mais seguros e fiáveis que há 10 ou 15 anos atrás. Poderá haver atletas, atuais recordistas mundiais, que pensem que a recalibração da história que pretendemos levar a efeito tirará algo deles, mas penso que este é um passo na direção certa».
Não existem dúvidas de que, se a IAAF actuar sobre a proposta de reescrever de alguma forma significativa, ela será processada por danos nos tribunais e se um detentor do recorde demonstrar um direito de propriedade, com os danos previstos nas leis de seu próprio país - o que é inteiramente possível - a IAAF pode ser obrigada a pagar por retirar esse registo a alguém, sem ter provas irrefutáveis de que o seu autor não estava nas condições regulamentares para conseguir p recorde. Segundo estes dados, poderão ser afetados 30 recordes.
Após várias críticas e intervenções, parece-nos líquido que deveria ser formada uma comissão que pudesse estudar estes recordes, caso a caso. Ainda assim, embora esta seja uma sugestão que agrada à maioria, há um grupo que pretende que haja já uma acção directa sobre os recordes que ainda existem que foram obtidos antes e durante o ano de 1990, uma vez que os controlos anti-doping fora de competição começaram a ser feitos em 1991, e aí chegamos a uma lista de 15 recordes

Peso masc.: 23,12 m, por Randy Barnes (USA), em 1990
Disco masc.: 74,08 m, Jurgen Schult (RDA), 1986
Martelo masc.: 86,74 m, Yuriy Syedikh (URSS), 1986
100 m fem.: 10,49, Florence Griffith-Joyner (USA), 1988
200 m fem.: 21,34, Florence Griffith-Joyner (USA), 1988
400 m fem.: 47,60 Marita Koch (RDA), 1985
800 m fem.: 1.53,28, Jarmila Kratochvoliva (CHE), 1983
Altura fem.: 2,09 m, Stefka Kostadinova (BUL), 1987
Comprimento fem.: 7,52 m, Galina Chistyakova (URSS), 1988
Peso fem.: 22,63 m, Natalya Lisovskaya (URSS), 1987
Disco fem.: 76,80 m, Gabrielle Reinsch (RDA), 1988
Heptatlo fem.: 7.291pts., Jackie Joyner-Kersee (USA), 1988
10.000 m marcha fem.: 41.56,23, Nadezhda Ryashkina (URSS), 1990
4x400 m fem.: 3.15,17, URSS, 1988
4x800 m fem.: 7.50,17, URSS, 1984
Destas 15 marcas, três foram obtidas por atletas da Alemanha de Leste, e seis de atletas soviéticos, cujas práticas nacionais de doping em massa estão a ser investigadas e, nalguns casos, provadas.
Aqui, será interessante notar que os recordistas do martelo masculino, Sedikh, e peso feminino, Lisovskaya, são casados e têm uma filha, Alexia Sedykh, nascida em França, que venceu o martelo nos Jogos Olímpicos da Juventude, em 2010.

Kratochvilova, de 66 anos, na pista a treinar (foto NY Times)


Dos seis recordes que restam, um pertence à checa Jarmila Kratochvilova. Todos dizem que este recorde da actual treinadora de jovens é o mais duradouro e mais falso recorde mundial, contudo, numa reportagem trazida à estampa em Junho deste ano, o New York Times lança muitas dúvidas sobre este assunto, revelando que a atleta, que cresceu a trabalhar no campo e treinava na sua cidade, nos campos, apesar de constar numa lista de ajudas especiais da Checoslováquia, não existem outros documentos que provem que ela aceitou um programa de doping do estado, que doses tomou e quando. Pelo contrário, tem análises antidoping negativas no seu registo.
Outro caso é o da búlgara Stefka Kostadinova, actual presidente do Comité Olímpico da Bulgária, e chegamos às marcas dos norte-americanos Randy Barnes, Griffith-Joyner, and Jackie JoynerKersee.
Barnes foi suspenso em 1990, por doping, e reincidente em 1998 foi banido da modalidade. Florence Griffith-Joyner, uma das estrelas dos Jogos de Seoul, está sobre suspeita, após as afirmações de Victor Conte, figura central no escândalo de doping conhecido como caso BALCO, em 2003, dando conta que Griffith-Joyner, Joyner-Kersee e outros tiveram testes positivos de doping mas que foram escondidos. Griffith-Joyner, que se retirou após esses Jogos, tragicamente faleceu 10 anos depois desse feito com a idade de 38 anos.
Cada caso é um caso e existe mesmo a necessidade de esclarecer totalmente as questões para não se caírem em injustiças. Até porque, como se afirma no artigo do New York Times, «não há nenhuma prova de que todos os recordes estabelecidos antes de 2005 foram auxiliados por doping e nenhuma garantia de que todos os recordes alcançados desde então não foram auxiliados por substâncias proibidas».

Texto de Rich Perelman, The Sports Examiner, traduzido e adaptado por António Manuel Fernandes

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